STF redefine responsabilidade das plataformas digitais e flexibiliza o Marco Civil da Internet

Por Henrique Zalaf

Nos dias 26 e 27 de junho de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou dois recursos extraordinários (RE 1.037.396 e RE 1.057.258 – Temo 987 e 533) e declarou a inconstitucionalidade parcial do art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), por oito votos a três. Até então, a responsabilização civil de provedores (tais como redes sociais e portais de notícia) por conteúdos gerados por terceiros estava condicionada à existência de prévia ordem judicial para sua remoção.

A partir da decisão do STF, os provedores de aplicações de internet poderão ser responsabilizados civilmente mesmo na ausência de ordem judicial prévia, em determinadas hipóteses de maior gravidade. Entre essas situações estão os conteúdos pagos ou impulsionados — inclusive quando promovidos por robôs ou redes artificiais — e a disseminação em larga escala de materiais extremamente danosos, como: atos antidemocráticos (a exemplo de tentativas de golpe de Estado), práticas terroristas, incentivo ao suicídio ou à automutilação, discursos de ódio com motivação racial, religiosa, de gênero, orientação sexual ou contra mulheres, pornografia infantil, crimes sexuais envolvendo pessoas vulneráveis e tráfico de pessoas.

Nesses casos, os provedores têm o dever de agir prontamente para retirar os conteúdos ilegais, sob pena de responsabilização civil. Nessas situações, basta a notificação extrajudicial, sob pena de configuração de “falha sistêmica”. A inércia dos provedores diante de tais situações poderá ser interpretada como “falha sistêmica”, especialmente quando houver ausência de mecanismos preventivos e de resposta tecnicamente adequados.

O julgamento também preservou a redação original do art. 19 para casos de crimes contra a honra (injúria, calúnia, difamação), que ainda exigem ordem judicial. Se o conteúdo ofensivo for republicado devidamente notificado, ele deverá ser removido sem nova ordem judicial. Além disso, provedores de e‑mail, mensagens privadas e reuniões online permanecem sob o escopo original do art. 19, assegurando o sigilo constitucional dessas comunicações.

O ministro Luís Roberto Barroso defendeu que a Corte não estaria legislando, mas apenas interpretando a Constituição para sanar omissões legislativas – e frisou que a decisão representa uma das mais robustas regulações do mundo em matéria de moderação de conteúdo digital. Para ele, o regime emergente combina liberdade de expressão com proteção de direitos fundamentais, exigindo que plataformas removam imediatamente crimes graves mediante simples notificação

A decisão tem despertado preocupações. Especialistas alertam que a ampliação da responsabilidade pode levar ao chamado “apagão de posts”, com remoções excessivas e imediatistas para evitar riscos jurídicos – sobretudo em relação a conteúdos com nuance subjetiva, como cyberbullying, ameaças e perseguição. Ainda há, portanto, uma tensão entre o combate à impunidade digital e o surgimento de efeitos colaterais indesejados.

Por fim, o STF modulou os efeitos da decisão para que tenham eficácia apenas em relação a fatos ocorridos após o julgamento, preservando o que já transitou em julgado, o que nos parece acertado e evidente.

A nova jurisprudência impõe às plataformas deveres rigorosos de autorregulação, canais de denúncia, sede jurídica no Brasil e transparência. Além disso, aponta para a inevitável atualização contratual — e pleito legislativo — em áreas como compliance nas redes sociais, estruturação de processos de moderação e responsabilização civil. Acompanhar essa evolução normativa é estratégico para orientar clientes sobre riscos, adaptar políticas de conteúdo e garantir segurança jurídica em um ambiente digital cada vez mais regulado.